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Trabalho - A integração da Pessoa Deficiente

Publicada por Jonas Matos |


“A integração das pessoas com deficiência não é da competência exclusiva do Estado, sendo igualmente da sociedade no seu conjunto e de todos os seus membros, seus representantes e instituições”[1].
“É cada vez mais importante o papel da iniciativa privada, no que diz respeito à defesa dos direitos fundamentais do ser humano com incapacidades, sejam de foro físico ou psíquico, tendo em conta que o Estado continua a não assumir toda a sua responsabilidade no atendimento adequado aos deficientes”[2].
Estas duas citações referem as entidades que têm responsabilidade na integração social do deficiente.
A pessoa com deficiência tem de deixar de ser vista segundo a ideia estigmatizada da pessoa deficiente como um “ser inferior”, mas antes como um indivíduo que tem participação plena na sociedade. A pessoa deficiente é um indivíduo dotado de direitos e deveres, pelos quais reivindica, como produto da própria sociedade.
No momento presente, há várias associações[3] que têm como principiais objectivos a luta por uma lei não discriminatória, ou seja, uma lei que permita ao deficiente ser reconhecido pelo seu “potencial” como qualquer outro indivíduo social.
Estas associações procuram consciencializar e encaminhar[4], quer a pessoa deficiente, quer os que fazem parte das suas relações interpessoais; contestam a legislação vigente[5], mediante os problemas postos pelas pessoas com deficiência; integram o deficiente na sociedade, veiculando, deste modo, a ideia de que a sociedade tem a obrigação de se adaptar a todos os indivíduos; facilitam a comunicação entre deficientes, bem como entre estes e as famílias, instituições e, sobretudo, entre os membros da sociedade em geral[6]; e por fim, empenham-se em destruir as barreiras arquitectónicas que dificultam a integração social do deficiente[7].
Para melhor entender o papel destas associações, torna-se necessário referir que existem dois tipos de associações:
- Associações de deficientes, que têm como objectivo informar, encaminhar, consciencializar, reivindicar toda a problemática do deficiente. Neste tipo de associação os lugares de destaque – presidente, vice-presidente e tesoureiro – são ocupados por deficientes[8].
- Associações para deficientes, nas quais os elementos da direcção são, por hábito, familiares chegados a pessoas com deficiência ou indivíduos que lidam e têm especial interesse por deficientes. São associações vocacionadas para indivíduos com uma deficiência específica[9].
Se é ao Estado que cabe um dos papéis essenciais no processo de reabilitação[10] das pessoas com deficiência, este não tem respondido às expectativas das instituições competentes[11] que tem apresentado propostas de legislação. O Estado tem sido alvo de criticas por parte dos intervenientes nestes processos que alegam que os direitos dos deficientes, enquanto cidadãos, não estão a ser considerados, mesmo quando já há legislação[12]. O Estado e os sucessivos governos e outras instâncias oficiais são mesmo acusados de falta de sensibilidade na abordagem dos problemas dos deficientes[13], quer pelo não cumprimento da legislação, quer pela sua ausência em determinadas áreas. Não é de todo inoportuno referir que a Constituição da Republica Portuguesa, desde 1976, obriga o Estado a respeitar qualquer tipo de deficiência[14].
O único elo de ligação entre estas associações e o Estado é o Secretariado Nacional de Reabilitação (S.N.R). Aliás, está previsto na legislação[15], para além da intervenção do Estado, a sua ligação com as instituições[16]. O Estado, com a colaboração do Secretariado, delibera sobre os diversos aspectos que se referem às pessoas com deficiência, tais como, educação, saúde, orientação e formação profissional, emprego, tratamento e ajudas terapêuticas, integração social e meio ambiente (acessibilidades, transportes, habitação, comunicação), protecção social, económica e jurídica e informação[17].
Uma das temáticas mais polémicas referentes à integração do deficiente é a das acessibilidades. A existência de barreiras físicas (nos transportes públicos e nas formas arquitectónicas dos edifícios, por exemplo), dificultam a vida aos cidadãos, constituem um grande obstáculo à integração profissional e social das pessoas com deficiência, limitando o seu acesso à igualdade de oportunidades a que têm direito.
O Estado, em colaboração com S.N.R., no âmbito do projecto de acessibilidades[18] pretendeu sensibilizar a sociedade civil (com prioridade para os agentes sociais responsáveis e intervenientes em matéria de construção e de transportes), para a importância da adopção de medidas nestas áreas, de modo a permitir a plena integração das pessoas portadoras de deficiência na vida activa e, assim, promover também a melhoria também da qualidade do atendimento aos utilizadores dos transportes. Quis igualmente contribuir para a existência de um conjunto de técnicas especializadas em matéria de acessibilidades responsabilizando, sobretudo, as universidades e autarquias. Por fim, divulgou medidas de ordem técnica sobre eliminação de barreiras arquitectónicas como instrumento de desenvolvimento de projectos de arquitectura e urbanismo numa perspectiva de acessibilidade para todos, independentemente de terem ou não deficiência[19].
Apesar de todas as medidas tomadas com o objectivo de promover a integração dos deficientes, as reivindicações destes vêm já desde 1976[20]. Como se constata, os acessos a edifícios públicas ou privadas e transportes públicos não é fácil e continua sem resolução. De tal modo que, no que diz respeito a transportes públicos, continua a ser necessário o recurso ao automóvel, constituindo o direito ao acesso a transportes públicos uma das maiores lutas associativas perante o estado[21].
Em 1984, foi publicada legislação contendo os parâmetros das acessibilidades. No entanto, após a publicação[22], esta legislação foi suspensa por motivos económicos, alegou o governo vigente. Em 1986, surge, então, uma recomendação sobre a tão desejada legislação[23].
Tendo tudo em consideração, conclui-se que muito há ainda a fazer para que todos os deficientes tenham acompanhamento específico para as particularidades da sua deficiência e se sintam integrados na sociedade.
Por integração compreende-se “a entrada ou incorporação num conjunto”[24], o que significa, em Sociologia, ser aceite como cidadão de pleno direito de um grupo do qual se estava excluído. É um processo lento, simultaneamente individual e colectivo que corresponde à adaptação a um novo modo de vida de um colectivo que pode não ser idêntico ao seu meio[25], isto significa que há uma combinação entre os dois, podendo, por isso, ser enriquecedor ou traumatizante para o indivíduo. A classe política, por muitos esforços que tenha vindo a fazer, mostra-se ataráxica, até porque agiu tardiamente, em relação ao resto da Europa e de uma forma desadequada em relação às necessidades.
Nesta linha de pensamento, é inevitável abordar a discriminação. De facto, a sociedade só admite existir discriminação relativamente a grupos pertencentes a outra raça, sexo, orientação sexual, língua, religião, origem territorial ou social, não abrangendo a discriminação de pessoas portadoras de deficiência. A discriminação do deficiente é difícil de conceituar, na medida em que, se por um lado pode ser passiva, (faz-se transparecer uma igualdade formal que não tem em conta à situação real de desigualdade), por outro lado, aparece de uma forma mais activa (como é o caso da intolerância)[26].
Numa última análise, acredito que muito ainda se pode fazer em relação à integração das pessoas deficientes na sociedade. A vontade política e a dos comuns cidadãos têm que se unir num todo contínuo, que permita, a cada pessoa portadora de deficiência, ter voz activa na sociedade. É imperioso desmistificar a ideia ainda enraizada na nossa sociedade que o deficiente é um ser inferior.
Todos temos o direito à diferença. Não se pode esquecer o slogan da campanha da Amnistia Internacional de que somos “Todos Iguais; Todos Diferentes”.
[1] C.f. VÁRIOS AUTORES, 1992, pág. 47
[2] C.f. VÁRIOS AUTORES, 1994, pág. 58
[3] Associação Portuguesa de Deficientes; Associação de Deficientes das Forças Armadas; Cooperativa para a Educação e reabilitação de Crianças Inadaptadas de Lisboa e Centro de Inovação para Deficientes
[4] Ver Anexo III, págs. 37 e 38; 43-47; 53 e 54
[5] Ver Anexo II, págs. 26-36
[6] C.f. VÁRIOS AUTORES, 1992, pág. 66
[7] Ver Anexo III, págs. 27-44
[8] Ver Anexo III, págs. 37 e 38; 43-47; 53 e 54
[9] Ver Anexo III, págs. 37 e 38; 43-47; 53 e 54
[10] Reabilitação: “[…] é um processo global e continuo destinado a corrigir a deficiência e a conservar, desenvolver ou a restabelecer as aptidões e capacidades da pessoa para o exercício de uma actividade considerada normal. […] Envolve o aconselhamento e a orientação individual e familiar, pressupondo a coperação dos profissionais aos vários níveis sectoriais e o empenhamento da comunidade” in Legislação para o Deficiente, Politica de Reabilitação, Volume I, 1995.
[11] Todas as Instituições de Solidariedade Social cujo objecto afecta os deficientes.
[12] Ver Anexo II, págs. 26-36
[13] Ver Anexo II, pág. 29
[14] C.f. MIRANDA et al, 2006, pág. 75
[15] Ver Anexo II, pág. 32
[16] Ver Anexo II, pág. 30-33; Anexo III, págs. 37 e 38; 43-47; 53 e 54
[17] Ver Anexo II, pág. 32
[18] Projecto ainda por concretizar (desde 1996)
[19] C.f. VÁRIOS AUTORES, 1992, pág. 2-6
[20] C.f. CRESPO, 1979, pág. 12
[21] Ver Anexo II, pág. 33
[22] Ver Anexo II, páf-30-33
[23] Ver Anexo II, págs. 30-32 e Ver Anexo IV, págs 66-68.
[24] C.f. MAIA, 2008, pág. 209
[25] C.f. AGUIERRE BELTRÁN, 1982, pág. 34
[26] C.f. BOUDON, 1995, pág. 103

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